A torcida organizada é muito legal para a partida de futebol. Ela traz a música, as bandeiras, o papel picado, os trapos, enfim, faz a festa e convida os torcedores comuns a torcer junto com ela. É como um maestro para o restante da torcida de um clube de futebol. Além disso, a torcida organizada também acompanha o time fora de casa, apóia em jogos complicados, que o torcedor comum geralmente não pode comparecer. A torcida organizada tem um papel importante quando o assunto é torcer.
Mas a torcida organizada também tem um papel muito importante para o futebol quando o assunto é violência. Ela é a razão da violência no futebol. Ela leva a rivalidade comum entre dois times ao nível máximo e a transforma em ódio. E esse ódio se transforma em brigas, confrontos entre torcedores, que levam a mortes de pessoas. Como aconteceu nesse final de semana na partida entre Palmeiras e Corinthians. Uma pessoa que nada tinha a ver com a situação levou um tiro no coração por conta de uma briga entre torcedores de torcidas organizadas.
No Brasil, somos os recordistas em mortes causadas por futebol. Entre 2010 e 2014 foram 94 torcedores mortos por brigas entre organizadas rivais. E por que? Apenas por torcerem para times diferentes. Mas muitos dizem que os torcedores que fazem isso são marginais, infiltrados, que não torcem de verdade pelo time, só querem brigar. E pode ser verdade, num caso ou outro. Mas a maioria é torcedor sim. Pelo mesmo motivo que disse acima. Eles cantam todas as músicas, hasteiam suas bandeiras, tocam seus instrumentos, jogam papel picado, etc. Quem faz isso tudo não pode ser apenas um “marginal infiltrado”. E não deve ser tratado assim. Ele é um torcedor. Um torcedor que, vez ou outra, briga com torcedores adversários e assassina pessoas. É um torcedor organizado assassino.
Se fosse em qualquer outro local que não o futebol não teria nem conversa. Prende todo mundo. Prisão perpétua. Pena de morte. “Qualquer coisa que tire esse monstro de circulação”, diria a maioria dos brasileiros. Mas como é dentro do futebol o papo é relativizado. São os tais marginais infiltrados. Que assassinam 94 pessoas em 4 anos. Cantando, hasteando bandeiras. Por torcerem por times diferentes. À sangue frio. Jogando papel picado pra cima. Com armas de fogo. Fazendo a festa.
Por culpa da torcida organizada o futebol brasileiro é dividido. A polícia precisa entrar em ação para separar pessoas comuns que vão a um estádio assistir seu time jogar futebol, só porque cada um usa uma camisa diferente. As mesmas pessoas que tem diversos amigos, conhecidos, colegas de trabalho, que torcem por times diferentes. E que conseguem lidar tranquilamente com eles. Mas, por causa do torcedor organizado, o estádio de futebol se tornou um campo de batalha, onde o diferente não é tolerado.
No campeonato de futebol americano nos Estados Unidos, os torcedores de times rivais assistem ao jogo juntos. E funciona. Olha, você não precisa abrir a nova aba e procurar “briga nfl torcedores” para provar o ponto contrário. Eu sei que deve ter um tanto de briga por causa de futebol americano. Mas tente achar mortes no futebol americano. É uma ou outra, e ainda em situações inusitadas (a maioria cai de algum lugar). E por que essa torcida misturada não pode acontecer aqui? Nós temos amigos de outras torcidas, nós conseguimos nos relacionar com essas pessoas no trabalho, em bares, festas, nas ruas, em qualquer lugar… menos no estádio de futebol. O torcedor organizado fez do estádio de futebol um lugar hostil, que transforma todo mundo em inimigo. E conseguiu nos enganar, enganar a polícia, os dirigentes, todo mundo. Fez com que a gente pensasse que a melhor solução fosse a separação. Torcedores escoltados pela polícia, entrando em portões completamente afastados, jogos com torcida única. Tudo porque “é perigoso”. Tudo porque “vai dar confusão”.
A maioria da torcida de futebol não é perigosa. Não arruma confusão. A maioria da torcida de futebol é a gente. Sou eu, você, meu amigo atleticano, sua namorada cruzeirense, seu tio americano. A maioria não quer brigar. Nunca brigou. Não quer matar o rival. A maioria só quer se divertir assistindo a um esporte tão maravilhoso no estádio. Mas tem uma minoria, o torcedor organizado, que quer estragar essa festa, quer brigar, assassinar outras pessoas, e acaba sendo visto e tratado muitas vezes como “o torcedor”. O torcedor que canta, que hasteia bandeira, joga papel picado e também mata outras pessoas.
Nós precisamos acabar com o torcedor organizado. Nenhum de seus benefícios é maior do que uma vida. E eles vêm tirando vidas demais para continuarem a ser relativizados por todo mundo. Precisamos parar com o papo de “marginal infiltrado”. Se é marginal infiltrado vamos acabar com a organização onde ele se infiltra. Por que é tão fácil para uma marginal se infiltrar em uma torcida organizada? Como algo chamado “torcida organizada” abriga tanto marginal infiltrado sem perceber? Pra mim é fácil entender isso. É porque eles não são infiltrados. São marginais e torcedores organizados. Torcedores sim. Torcedores assassinos. Torcedores que sempre serão marginais, sempre serão infiltrados e sempre serão assassinos. Isso se a gente deixar tudo como está.
Muita gente vai dizer que não precisamos disso, que é só prender as pessoas, identificar esses assassinos e deixar eles na cadeia. Levar a pessoa para a delegacia durante todos os jogos do seu time. E sim, eu concordo. Temos que fazer isso mesmo. Mas já é 2016. E isso acontece no Brasil desde sempre. Já poderíamos ter feito isso há muito tempo. E por que não é feito? Porque a polícia tem coisas mais importantes para tratar que futebol. Infelizmente o Brasil é um país violento, crimes ocorrem a todo o momento, e o futebol não é uma prioridade para a polícia. Realmente seria ideal prender todo mundo, mas não podemos ficar esperando que a polícia resolva todos os problemas do futebol. Podemos fazer algo. Podemos acabar com a organização que promove a violência, que divide as torcidas, que assassina as pessoas. E é claro que acabar com a torcida organizada não é garantia nenhuma que o futebol será completamente curado de uma hora para a outra. O processo é complicado. Eles vão continuar se juntando, mesmo sem as camisas, instrumentos e bandeiras. Mas estarão mais fracos, não serão identificados como um grupo, não serão “especiais”. Serão tão desorganizados como todos os outros. E serão uma minoria, que pode ser abafada pelo torcedor que só quer o bem.
Por que precisamos dar regalias e tratar como benéfica uma torcida que tanto mal faz ao futebol? Que trouxe a violência, a separação e a intolerância ao estádio de futebol. Por que eles cantam? Jogam papel picado? Hasteiam bandeiras? Sinceramente, eu prefiro muito mais ficar com uma torcida que não faça nada disso para que não tenhamos mais ninguém morto por causa de futebol no Brasil.
Até algum dia (está complicada a vida para escrever todo dia, infelizmente).